domingo, 9 de agosto de 2009

SOBRE "OS LUSÍADAS"

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OS PALÁCIOS D'"OS LUSÍADAS"


0 - Introdução

Que palácios é que Camões conheceria? Como poeta frequentador da corte, conheceria o palácio da Ribeira, o de Sintra, o de Almeirim, o de Évora... E conhecia palácios orientais.
Os palácios portugueses podiam ser de cidade, integrados na malha urbana, intra muros, ou do campo, isolados, extra muros. Características eram as suas torres pontiagudas, certamente de imitação estrangeira. Mas não vamos agora alongar-nos sobre o assunto.
Aos palácios, n'Os Lusíadas, chama o poeta paços, ainda à maneira antiga, que era a sua. De modo explícito, menciona seis: os «nobres paços» do rei de Melinde (c. II, est. 91), os «paços sublimados» de Afonso IV, pai da «fermosíssima Maria» (c. III, est. 102), os «paços de Neptuno» (c. VII, est. 14), os «paços» da corte londrina onde decorre o combate dos Doze de Inglaterra, os «régios apousentos» do Samorim (noutra ocasião mencionados como «régios paços») (c. VII, est. 14), os «cristalinos paços singulares» que Vénus prepara na Ilha dos Amores (c. IX, est. 41) e que depois vão ser descritos como «paços radiantes / E de metais ornados reluzentes» (c. X, est. 2).
Mas há mais. A «casa etérea do Olimpo omnipotente» (c. I est. 42) onde decorre o consílio dos Deuses e que no discurso de Júpiter é chamada «luzente, / estelífero Pólo e claro Assento» não será palácio? E como não falar de palácio – nunca referido sequer como casa – a respeito do lugar onde se encontra o «poderoso Rei, cujo alto Império / o Sol, logo em nascendo, vê primeiro, / vê-o também no meio do Hemisfério, / e quando dece o deixa derradeiro» (c. I, est. 8), isto é, da residência de D. Sebastião a quem o épico vai apresentar o seu canto?


1 - A «casa etérea do Olimpo omnipotente»

A «casa etérea do Olimpo omnipotente» ou «luzente, / estelífero Pólo e claro assento» deverá ser como que o palácio original, o pai de todos os palácios. Ao chamar-lhe etéreo, o poeta localiza-o na quinta-essência, no éter. Mas não se alonga a descrevê-lo.
Antes de lá chegarem, já os Deuses se encontram num mundo de maravilha: pisam «o cristalino Céu fermoso» e «vêm pela Via Láctea juntamente». Mas é quando se reúnem que essa «casa etérea» brilha:

Estava o Padre ali, sublime e dino,
Que vibra os feros raios de Vulcano,
Num assento de estrelas cristalino,
Com gesto alto, severo e soberano;
Do rosto respirava um ar divino,
Que divino tornara um corpo humano;
Com ua coroa e ceptro rutilante,
De outra pedra mais clara que diamante.

Júpiter apresenta-se de facto como uma figura imponente, divina, no seu «assento de estrelas cristalino». Quanto aos deuses convocados, ocupam «luzentes assentos, marchetados / de ouro e de perlas»:

Em luzentes assentos, marchetados
De ouro e de perlas, mais abaixo estavam
Os outros Deuses, todos assentados
Como a Razão e a Ordem concertavam.

É um espaço refulgente, verdadeiramente olímpico.


2 - Os «paços de Neptuno»

Não fazendo caso de outros paços sobre que o épico pouquíssima informação dá, passemos já para os de Neptuno.
O mundo onde se situa este palácio submarino também é um mundo fantástico. Há lá «cidades» - que relação terão com a Atlântida, onde mandava Neptuno...?; as areias são «de prata fina»; há «torres altas» «da transparente massa cristalina»: tudo parece cristal e diamante:

No mais interno fundo das profundas
Cavernas altas, onde o mar se esconde,
Lá donde as ondas saem furibundas
Quando às iras do vento o mar responde,
Neptuno mora e moram as jucundas
Nereidas e outros Deuses do mar, onde
As águas campo deixam às cidades
Que habitam estas húmidas Deidades.

Descobre o fundo nunca descoberto
As areias ali de prata fina;
Torres altas se vêem, no campo aberto,
Da transparente massa cristalina;
Quanto se chegam mais os olhos perto
Tanto menos a vista determina
Se é cristal o que vê, se diamante,
Que assi se mostra claro e radiante.

Repare-se nas esculturas das «portas d'ouro fino» que dão acesso à cidade, onde se evocam o caos, os quatro elementos, a Guerra dos Gigantes «e a primeira / de Minerva pacífica ouliveira»:

As portas d' ouro fino, e marchetadas
Do rico aljôfar que nas conchas nace,
De escultura fermosa estão lavradas,
Na qual do irado Baco a vista pace;
E vê primeiro, em cores variadas,
Do velho Caos a tão confusa face;
Vêm-se os quatro Elementos trasladados,
Em diversos ofícios ocupados.

Ali, sublime, o Fogo estava em cima,
Que em nenhua matéria se sustinha;
Daqui as cousas vivas sempre anima,
Despois que Prometeu furtado o tinha.
Logo após ele, leve se sublima
O invisíbil Ar, que mais asinha
Tomou lugar e, nem por quente ou frio,
Algum deixa no mundo estar vazio.

Estava a Terra em montes, revestida
De verdes ervas e árvores floridas,
Dando pasto diverso e dando vida
Às alimárias nela produzidas.
A clara forma ali estava esculpida
Das Águas, entre a terra desparzidas,
De pescados criando vários modos,
Com seu humor mantendo os corpos todos.

Noutra parte, estava esculpida a guerra.
Que tiveram os Deuses cos Gigantes;
Está Tifeu debaixo da alta serra
De Etna, que as flamas lança crepitantes.
Esculpido se vê, ferindo a Terra,
Neptuno, quando as gentes, ignorantes,
Dele o cavalo houveram, e a primeira
De Minerva pacífica ouliveira.

Veja-se agora o ajuntamento divino, já «na grande sala, nobre e divinal» do palácio de Neptuno:

Já finalmente todos assentados
Na grande sala, nobre e divinal,
As Deusas em riquíssimos estrados,
Os Deuses em cadeiras de cristal,
Foram todos do Padre agasalhados,
Que co Tebano tinha assento igual;
De fumos enche a casa a rica massa
Que no mar nace e Arábia em cheiro passa.

Decorre então o consílio, que também há-de degenerar em tumulto, como o do Olimpo, e onde Baco será bem sucedido, conseguindo aliados activos contra os Portugueses.

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